PALAVRAS & IDEIAS – O contato com a Arte em tempos de pandemia

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POR ADRIANA PIN*

Feche os olhos e imagine, por alguns instantes, o mundo sem a Arte… Imagine o mundo sem a música, presença constante em nossa vida, desde o som dos pássaros, o barulho do vento, o cair da chuva, os diferentes gêneros musicais, a diversidade de arranjos e notas até as grandes sinfonias. Ou diferentes paisagens, situações e pessoas retratadas nas telas com maestria pelas mãos de um pintor. Uma peça teatral que provoca em nós o riso e a dor; um espetáculo de dança que nos envolve e nos emociona; aquele filme inesquecível ou de vanguarda; quando nos sentimos pequenos e grandes ao mesmo tempo diante de uma eminente obra arquitetônica; uma escultura que esculpiu as formas e o tempo; ou um livro que nos leva a lugares sem fronteiras.  

Certamente você concluirá que é impossível viver sem a Arte. E realmente é. Porque através do contato com as diferentes manifestações artísticas, o homem se humaniza de fato, tornando-se sensível e consciente do mundo a sua volta e da sua própria existência. Por exemplo, quando temos contato com alguma informação sobre a condição secular e extremamente difícil em que vive o sertanejo nordestino, que sofre com a seca, ceifando-lhe a última folha da sua plantação e o último suspiro do seu pequeno rebanho, a escassez da água, a falta de alimento, … tendo que migrar, passo a passo pelo chão árido, quilômetros e quilômetros, dias e dias, em busca de uma nova terra e de sobrevivência. Tudo isso, percebido de maneira comum, talvez não nos toque tanto mais, pois o sofrimento, assim como um vírus, também pode se tornar invisível na rotina de nossas vidas e nos matar aos poucos. Todavia, quando lemos Vidas secas de Graciliano Ramos, nossa visão se torna latente e se amplia diante da ausência de linguagem e da falta de expectativa de vida que há nos personagens Fabiano, Sinhá Vitória e nos dois filhos, ao passo que conseguimos enxergar, paradoxalmente, tanta humanidade na cachorra Baleia. É como se a leitura da obra literária (o contato com a Arte) nos fizesse acordar da nossa própria inércia e cegueira, de um jeito único e especial. 

O grande filósofo Friedrich Nietzche disse uma vez que “A Arte existe para que a realidade não nos destrua.”. Ela existe para não cairmos no abismo da indiferença, cuja repetição dos dias pode nos empurrar; ou na falta de vontade de viver, de agir, de sermos diferentes e de nos reinventarmos a cada instante. A Arte nos possibilita ver a vida de outro ângulo, sob outras lentes, com um olhar mais consciente e verdadeiro.  

Na última quarta-feira, o Governo do Estado decretou medidas de risco extremo para enfrentamento da covid-19, diante dos preocupantes índices atuais. Devido à irresponsabilidade, falta de consciência e de alteridade de uma parte da população e de algumas autoridades públicas, estamos vivendo um colapso no sistema de saúde, com pouquíssima ou nenhuma oferta de leitos nos hospitais, principalmente em unidades de terapia intensiva. Portanto, o momento é de muita cautela e prevenção. É preciso ficar em casa, apenas saindo quando necessário, no caso daqueles que precisam trabalhar ou buscar um serviço ou produto de primeira necessidade. 

Mas ficar em casa, com a família, por tanto tempo, tem se tornado um desafio para muitos. A falta de paciência com os filhos ou com os pais, por exemplo, ou a falta do que fazer, em alguns momentos, principalmente no fim de semana, tem tornado difícil a convivência em tempos de pandemia. É justamente aqui que o contato com a Arte pode amenizar e valorizar esse contexto. Por meio de um simples aparelho de celular e alguma internet, é possível ouvir música, assistir a um bom filme ou àquela série tão esperada, ou a lives e lives e lives sobre diferentes manifestações artísticas; canais no You Tube que ensinam a desenhar, que contam histórias, que brincam de roda… Mas não precisamos nos limitar à tecnologia, até porque, no Brasil, infelizmente, não são todos que têm acesso a dispositivos digitais e à internet. Por isso, no momento que for possível, uma folha de papel e alguns lápis de cores podem nos aproximar de nossos filhos, desenhando e pintando com eles; lendo um livro com e para eles; escolhendo uma dentre tantas brincadeiras; aquele antigo jogo da nossa infância, o das pedrinhas; fazer aquele prato preferido… A Arte exercita nossa criatividade e nos mostra que no pequeno espaço de nossas casas há um vasto mundo de possibilidades a ser explorado. 

Mesmo diante de tempos sombrios, precisamos ser resilientes e persistirmos, compreendendo que com a fé de qualquer que seja sua crença ou concepção espiritual, com o trabalho incansável e lúcido da Ciência e com a Arte, venceremos, pois como disse Albert Camus: “E no meio de um inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível.”. 

*ADRIANA PIN é professora de Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa no Ensino Médio, Graduação e Pós-Graduação do IFES, doutora em Letras pela UFES e pesquisadora das relações entre Literatura e Indústria Cultural, do Ensino de Literatura e da Leitura literária no Ensino Médio. | Contato: pinadriana5@gmail.com 

Quer saber mais sobre o assunto? Sugerimos as seguintes leituras: 

DOMINGUES, Diana. A Arte no século XXI: a humanização das tecnologias. São Paulo: UNESP, 2003. 

ECO, Humberto. História da Beleza. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2004. 

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 145. ed. Rio de Janeiro: Record, 2019. 

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