ARTIGO – Quando os vencidos derrotam os vencedores

POR ANDRÉ OLIVEIRA*

A série História dos Quilombolas – 40 livros, de autoria do escritor capixaba Maciel de Aguiar – pesquisada com base na oralidade e escrita de 1965 a 1995 -, resgata a vida e as lutas de inúmeros heróis negros que habitaram a região de São Mateus, Norte do Espírito Santo, até Porto Seguro, Sul da Bahia, durante 300 anos (1695-1995), e enfrentaram um dos mais poderosos e perversos sistemas escravocratas do interior do Brasil.

Séculos depois, esses heróis negros foram “esquecidos” pelos livros escolares e, sobretudo, negligenciados pela historiografia oficial que ainda não aceita a oralidade como comprovação historiográfica, mesmo existindo um trabalho pioneiro e inédito realizado durante 30 anos por um renomado escritor brasileiro.

No primeiro governo do Partido dos Trabalhadores (PT), a série História dos Quilombolas foi apresentada ao Ministério da Educação para ser adotada nas escolas, com base na Lei Federal 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece “Art. 26-A: Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileiras”. Foi a primeira lei sancionada pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nos exames preliminares, a série História dos Quilombolas foi aprovada com mérito pelo corpo técnico, porém recebeu um parecer final contrário, emitido pela chefe do departamento do MEC, ex-professora da Ufes e indicada ao cargo pelo PSB capixaba, sob a alegação de que “os 40 livros da História dos Quilombolas não têm comprovação oficial”.

Assim, os livros das histórias dos heróis negros que enfrentaram a escravidão não foram aprovados pelo MEC para serem distribuídos nos estabelecimentos de ensino conforme os demais livros escolares.

Ontem, dia 5 de abril de 2024, o escritor Ailton Krenak, com uma obra também com base na oralidade das 170 línguas indígenas existentes no Brasil, foi empossado na cadeira número 5, da Academia Brasileira de Letras, como o primeiro índio a fazer parte daquela secular instituição e, surpreendentemente, venceu a disputa para a vaga, com o dobro da votação de sua adversária que é uma “historiadora oficial”.

Recentemente, o escritor capixaba Maciel de Aguiar foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura e é o único escritor brasileiro atualmente em condições de ser contemplado com a maior honraria acadêmica do mundo e uma de suas principais obras possui base na oralidade.

Portanto, como um índio que escreve com base na oralidade venceu uma “historiadora oficial” e ingressou na Academia Brasileira de Letras, é um forte indício de que está havendo uma revisão conceitual da História do Brasil.

E, caso o escritor Maciel de Aguiar consiga ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, essa mesma revisão conceitual também estará invadindo o mundo.

*ANDRÉ OLIVEIRA é jornalista e radialista, Diretor de Jornalismo e Conteúdo do site CENSURA ZERO (censurazero.com.br).

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