ARTIGO – Em defesa do STF e dos tribunais

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POR EUGÊNIO PACELLI*

Advogado Eugênio Pacelli

O título até poderia ser “Em defesa do Poder Judiciário”, mas as circunstâncias do texto demonstrarão sua especificidade.

Tais circunstâncias se referem ao empoderamento das redes sociais, que, de positivo, aproximam pessoas com visões de mundo diferentes e/ou semelhantes, produzindo até mesmo o (re)nascimento de identidades ocultas e contidas na sociedade sem essa abertura.

A escolha de ideologias e de seus representantes expressa manifestação básica da democracia e da cidadania. Todos podemos escolher nossos caminhos para o bem comum. Alguns o fazem para o bem individual, mas desde que não causem mal aos outros, que vivam com sua subjetividade.

O problema surge na arena política quando os debates sobre tais e relevantes questões começam a ser incrementadas com desapego e desapreço pela própria ideia de democracia, e também do exercício da cidadania, por meio da distorção deliberada e consciente de fatos comuns ao senso comum. Mentiras são mentiras porque nascem para convencer alguém daquilo que não acredita nem mesmo o seu autor.

Nosso paupérrimo processo eleitoral sempre foi vítima da mentira. Sempre. Mas o falso agora atingiu o nível da independência e da autonomia. Verdade ou mentira passaram a ser uma questão de opinião. E de quem a vocifera com mais espaço e rancor.

O Supremo Tribunal Federal, em especial, e os Tribunais, em geral, passaram a ser alvos de críticas por vezes criminosas, a tanto bastando a divergência da decisão com a visão de mundo de quem a critica. Ministro da Educação, cujos erros de grafia e berros de ódio aos outros sugerem uma nova geografia da linguagem, ofende abertamente os Ministros do Supremo Tribunal Federal, exalando semântica incompatível com o vernáculo.

As chamadas Fake News, que triunfaram nas redes sociais, mas não só – quem sabe a mídia oficial reconheça seus pecados também? – são mentiras criadas a partir de um propósito: enganar seus interlocutores e atingir alvos previamente escolhidos. Isso nada tem que ver como liberdade de expressão.

Como não é exercício de liberdade de expressão a exaltação da pedofilia, da tortura e de atos de hediondez semelhante.

Ao Direito, enfim.

O art. 5º, LIX, da CF, assegura que será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal. A norma reproduz outra, do velho CPP (art. 29), que lhe é anterior, mas nem por isso superior.

Ora, os ataques conscientemente mentirosos desferidos à Suprema Corte não traduzem exercício de liberdade de expressão, na medida em que, deliberadamente, criam fatos e motivações inexistentes no âmbito de decisões daquele Tribunal. Trata-se de mentira, na concepção do próprio autor, que sabe ser sua a criação ou versão. Por isso, pode constituir crime, a depender do respectivo conteúdo.

Assim, pelo fato de existir, em tese, a possibilidade do exercício de ação penal garantida na própria Constituição da República, em favor de vítimas de crimes de ação pública, quando inertes as autoridades responsáveis, o dispositivo contido no art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal pode ali encontrar sua legitimidade, mais elevada, inclusive, que a autonomia regimental da Corte.

Ao que se sabe, o Presidente da Suprema Corte acionou as autoridades competentes para a adoção de providências em relação às mentiras divulgadas e propagadas contra seus membros. Se a instauração do inquérito naquele Tribunal puder ser justificada pela inércia dos órgãos responsáveis, que parece inquestionável, nada se poderá dizer contra a iniciativa da Suprema Corte. Mas, ainda que assim não fosse, restaria ainda o citado art. 43 do RI, que, segundo a jurisprudência reiterada do Tribunal, ocupa relevante espaço normativo no direito brasileiro. Queiramos ou não.

O que não parece aceitável, em tempos de tantas e seguidas violações ao Direito e a direitos, é a amputação perene de qualquer exercício do direito de defesa das prerrogativas institucionais do Poder Judiciário.

*Eugênio Pacelli é Advogado, Mestre e Doutor em Direito; Ex-membro do MPF; Relator Geral do Projeto de Novo CPP. Publicado originalmente na revista JOTA.

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