ARTIGO – Petróleo, antigo visitante

KLEBER GALVÊAS*

Com o sucesso do satélite Russo Sputnik, meu pai, em 1958, deu esse nome ao nosso primeiro barco e o estacionou na Prainha (Vila Velha, ES). Foi comprado novinho, de um catraieiro que fazia o transporte de passageiros remando, entre Paul e Vitória. O motor de popa adaptado foi o americano Johnson.

A acomodação das tábuas do casco do barco, que molhavam e tomavam sol com frequência, exigia periódica reparação para deter infiltrações. Barbante, estopa e piche eram introduzidos entre as tábuas do assoalho. Técnica que Deus ensinou a Noé: ”betumarás a tua arca por dentro e por fora”. (Gênesis, 6, 14).

Para esse serviço de calafetação meu pai conservava num canto da garagem, um pequeno latão com piche. Éramos 6 irmãos, e, nessa época, o mais velho (eu) tinha 12 anos; e o mais novo, 3. O irmão 05, Pota, com 4 anos, era muito esperto e gostava de mexer em tudo no grande quintal da nossa casa na Luciano das Neves, 105. Ele encontrou o latão com piche e achou interessante brincar com esse material, que tem viscosidade semelhante à do slime, brinquedo popular da garotada.    

Tudo ia bem até que surgiu uma coceira nos olhos, provavelmente causada pelas emanações do piche que ele movimentava alegremente com suas mãozinhas. Foi quando levou as mãos para coçar, e uma placa de piche bloqueou seus dois olhos. Seus gritos, a plenos pulmões, foram ouvidos por mim. Corri até a garagem e, quando o encontrei tateando pela parede, com os olhos cobertos por grossas placas de piche, fiquei desesperado, imaginei que ele ficaria cego.

Não vacilei, peguei o Pota no colo e corri com ele até a casa do nosso vizinho Dr. Nilton Barros. Não chamei do portão, entrei pela casa gritando pelo médico. Ele desceu do segundo andar e logo me deu uma bronca pelo desespero.

Examinou a situação e então pediu ao Laurinho, um dos seus filhos, que fosse até o seu quarto e trouxesse uma latinha de fluido de isqueiro. Com habilidade e muita calma, usando gaze embebida no fluido, removeu todo o betume que obturava os olhos do meu irmão. Depois lavou o rosto dele e pingou colírio em seus olhos. E só. Nenhum tratamento adicional. Nenhum prejuízo para os olhos do meu irmão.

Dr. Nilton Barros, primeiro Reitor da nossa Universidade, mereceu a nossa admiração e eterna gratidão. A ele dei os melhores livros da biblioteca do meu pai, inclusive a “Divina Comédia”, ilustrada por Gustave Doré.

O petróleo que tem chegado a nossas praias é idêntico ao piche, de uso frequente pelos pescadores e barqueiro, e ao petróleo que visitava com frequência as praias de Vila Velha, nos anos 1960. O derrame de petróleo cru é sempre desastre ambiental terrível, de difícil reparação. Aqui no Brasil atingiu vasta área. O óleo bruto está poluindo nossas praias, prejudicando a balneabilidade, a atividade econômica e a vida marinha, mas não interfere diretamente na nossa saúde.

Toneladas de pó preto que cotidianamente polui o ar que respiramos, prejudica o meio ambiente e diretamente a saúde de todos nós, indistintamente, da criancinha ao velhinho. A poluição atmosférica que enfrentamos na Grande Vitória faz silenciosamente muitas vítimas (visite o Hospital Infantil). Entretanto ela ainda não mereceu atenção responsável do nosso governo, da universidade e da mídia. Procure informações sobre SILICOSIDEROSE, doença da qual não se escapa se respiramos emanações siderúrgicas: sílica e ferro. No Relatório da CPI da Poluição da Ales, Resolução N. 1.808/95, leia o depoimento de médicos e de cientistas sobre como a poluição das siderúrgicas localizadas em Tubarão tem afetado a saúde do capixaba nos últimos 50 anos.

*Kleber Galvêas é pintor e escritor. Contatos: (27) 3244-7115  – site: www.galveas.com 

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