POR MACIEL DE AGUIAR*
Já escrevi sobre o Porto Petrocity a ser implantado na região de Campo Grande, em São Mateus, Norte do Espírito Santo.
À época, a notícia causou surpresa pela iniciativa arrojada, corajosa e pela importância fundamental para o desenvolvimento do Município e, sobretudo, do Norte e Noroeste do Estado, além do Leste de Minas Gerais e do Sul da Bahia.
Não obstante isso, sugeri a inclusão de uma ZPE [Zona de Processamento de Exportação] e, pela grandeza do empreendimento, fiquei ainda mais surpreso ao saber que seria um ”investimento privado” e que os recursos não viriam do cofre da viúva. Um fato raro no Estado do Espírito Santo!
Lembrei-me de que, em tempos pretéritos, um tal ‘Príncipe das Arábias’ havia anunciado semelhante iniciativa, mas contava com possíveis recursos públicos e o empreendimento se converteu em uma notícia como as muitas falácias da exploração de uma reserva de ‘Sal-gema’ e ou da implantação de uma ‘Termoelétrica’.
Assim, descrente no empreendimento do tal ‘Príncipe das Arábias’, não mais me interessei pelo projeto, pois tive a impressão de que naquele ‘porto do príncipe’ somente iriam aportar os navios fantasmas!
O tempo passou e surgiu um audacioso e corajoso empreendedor – que não é de minha relação pessoal -, e este assumiu o timão de um navio à deriva e “desarvorado e o fez aportar em terra firme e sítio convidativo”, como diriam os antigos escribas!
E, com um misto de determinação e ousadia, feito um Dom Quixote dos trópicos, o corajoso empreendedor começou a andar pelo Estado do Espírito Santo e o Leste de Minas Gerais afirmando que era possível viabilizar um projeto de desenvolvimento regional que – agora – se chamava Porto Petrocity. E este mais parecia um sonho com viés de uma luta tenaz contra a inveja, a desfaçatez e os interesses escusos!
E aquele corajoso sonhador, quase solitário, parecia mesmo disposto a enfrentar os moinhos de vento da fratricida política capixaba. E este destemido Dom Quixote vai precisar de ajuda, pensei!
Então, voltei a acreditar nesse novo projeto de desenvolvimento regional pelo fato de seu audacioso sonhador não se apresentar como um ‘Príncipe das Arábias’ e, surpreendentemente, afirmar que não queria dinheiro do cofre da viúva.
Os últimos governos do Espírito Santo tratam o Norte e o Noroeste do Estado com desprezo e negligência, e não é de hoje que as iniciativas de desenvolvimento dessas potenciais regiões se dão por iniciativa de muitos corajosos empresários e prefeitos destemidos.
No Estado do Espírito Santo, muitos empreendimentos deram golpes no BANESTES e no BANDES, sem falar dos empresários que ficaram ainda mais ricos com o FUNDAP, mas sempre contaram com a cumplicidade do Palácio Anchieta e, sobretudo, com a ”providencial ajuda” de muitas mãos peludas da política capixaba.
Então, mesmo à distância, passei a acreditar no sonho daquele Dom Quixote e a perceber que poderia ser possível sonhar com um desafiador empreendimento de desenvolvimento regional. Ao tempo em que despertou-me uma recorrente preocupação.
Como tenho know how no conhecimento das mãos peludas que operam a política capixaba e atuam sempre em benefícios próprios e ou de grupos, passei a temer pelos sonhos do corajoso Dom Quixote que queria romper algo inédito na História do Espírito Santo, onde é enorme a lista de empresários golpistas e de empreendimentos sugadores.
E, como ele anunciava que ”não queria dinheiro público” e seria um ”projeto privado” e – ainda – se converteria no ”maior e mais viável porto do Estado do Espírito Santo”, aumentei a preocupação de que o Porto Petrocity pudesse se transformar em um novo Porto de São Mateus, e posso comprovar:
O histórico Porto de São Mateus serviu às elites escravocratas por mais de século e, após a Abolição, foi mantido pelas prostitutas que transformaram em luxuosos cabarés os sobradões de antanho das tradicionais famílias coroadas, como os Abreu Sodré, os Faria Lima, os Santos Neves, os Oliveira Santos, etc.
E essas elites endinheiradas – que fizeram fortuna com a compra e venda de gente – emprestaram os nomes de seus filhos às ruas, praças e avenidas em Vitória, Rio de Janeiro e São Paulo, mas ficavam incomodadas com a relação de seus nomes aos negócios da escravidão e decidiram que o Porto de São Mateus tinha que ser varrido do mapa.
Mas, como as prostitutas mantinham e conservavam o casario, era preciso expulsá-las do local para que os antigos sobradões caíssem e a história fosse desaparecendo até acabar a lembrança do comércio de compra e venda de negros africanos para a escravidão.
Só para lembrar, dos dez fatos mais importantes da História do Brasil, o Porto de São Mateus é cenário de dois: a Batalha do Cricaré, quando oito mil índios foram assassinados, e o último navio negreiro vindo da África para o Brasil – a escuna Norte-americana Mary Smithy, com 350 angolanos, apreendida na embocadura do lendário Rio Cricaré – que colocou um ponto final no comércio de africanos para a escravidão no Brasil.
Depois, o Porto de São Mateus voltou a testemunhar as lutas dos heróis quilombolas contra o poderoso sistema escravocrata, mas esses negros foram ”esquecidos” pela historiografia oficial e pela academia, notadamente a mando de muitas mãos peludas.
Ainda como testemunho dos fatos, nas cercanias do Porto de São Mateus ocorreu o assassinato de milhares de recém-nascidos após a Lei do Ventre Livre, quando as crias das mães negras não podiam ser vendidas e ou escravizadas pelos poderosos senhores das famílias coroadas. E a solução era matá-las ao nascer! Assim, milhares de recém-nascidos foram mortos, mas a história oficial não registra, obviamente a mando das mãos peludas!
Então, o Porto de São Mateus tinha que ser abandonado, destruído e salgado para apagar essas tragédias humanas da civilização brasileira e, sobretudo, por ser o palco do primeiro genocídio da História do Brasil e a origem de muitos que emprestam seus nomes para ruas, praças e avenidas.
Mas, ao contrário do que queriam as elites, o Porto de São Mateus resistiu ao abandono, foi restaurado no Governo Vitor Buaiz e nele foi encenada a ópera ‘O Guarani’, de Carlos Gomes – para lembrar o assassinato de oito mil índios – e ainda instalamos, com recursos próprios, o MUSEU IMPERIAL DE SÃO MATEUS e o ÁFRICABRASIL MUSEU INTERCONTINENTAL, este último para contar a história do sistema escravocrata e da resistência à escravidão, e expor o maior acervo de arte africana da América Latina.
Então, como os descendentes das antigas elites escravocratas não gostaram, agora, só tinha uma solução para destruir o Porto após sua restauração, a ópera e os museus:
“O PORTO DE SÃO MATEUS TINHA QUE SER ABANDONADO PELO PODER PÚBLICO PARA SER NOVAMENTE DESTRUÍDO, A ÓPERA O GUARANI NUNCA MAIS SER ENCENADA E OS MUSEUS FECHADO!”
E isto vem ocorrendo desde 2001, com a omissão dos governos do Estado do Espírito Santo e sob a orientação de muitas mãos peludas!
Então, é muito maior do que podemos imaginar a similitude do Porto de São Mateus com o Porto Petrocity.
O primeiro por contar as tragédias dessa extraordinária aventura chamada civilização brasileira!
E o segundo por três fatores que o seu corajoso empreendedor, possivelmente, ainda não percebeu:
1) O PORTO PETROCITY PODERÁ SE CONVERTER NO MAIOR E MAIS VIÁVEL PORTO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. (isto incomoda!)
2) NÃO TERÁ DINHEIRO PÚBLICO. (isto quebra paradigmas)
3) NÃO TEM O CARIMBO DE NENHUM POLÍTICO. (isto fere suscetibilidades)
Assim, as mãos peludas que destroem o Porto São Mateus são as mesmas mãos peludas que tentam inviabilizar o PORTO PETROCITY.
E, neste momento, a HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA DO PORTO DE SÃO MATEUS presta ao PORTO PETROCITY total APOIO e SOLIDARIEDADE.
Ao tempo em que confiamos que um dia o PORTO DE SÃO MATEUS possa se manter com suas atividades turísticas, históricas e culturais para que possamos entender melhor a HISTÓRIA DO BRASIL.
E também acreditamos que o PORTO PETROCITY poderá se converter no maior centro de desenvolvimento do Norte do Estado do Espírito Santo, Sul da Bahia e Leste de Minas Gerais.
E nenhuma mão peluda poderá impedir!
…
*MACIEL DE AGUIAR, Escritor das Barrancas do Cricaré, ex-Secretário de Estado da Cultura, atual Secretário da Cultura de Vila Velha.