O Dicionário da Língua Portuguesa destaca que, usado no sentido conotativo (figurado), laranja significa “uma pessoa cujo nome é utilizado por outra para fraudar um sistema financeiro ou comercial, para escapar ao fisco ou para aplicar dinheiro obtido ilegalmente”. E a palavra com este sentido foi ainda mais popularizada pelo prefeito de São Mateus-ES, Daniel Santana Barbosa, o Daniel da Açaí (sem partido) nas investigações da Polícia Federal, conforme atesta o inquérito da Operação Minucius, já remetido ao Ministério Público Federal para a apresentação da ação penal à Justiça.

Em depoimento à PF durante as investigações, Daniel da Açaí confessou o uso de nomes de terceiros para constituir, ou manter, empresas dele, inclusive para prestar serviços à Prefeitura de São Mateus, o que é vedado por lei. Além de usar a própria mãe, Ozorina Costa Barbosa, a Dona Zau, com essa finalidade, como já noticiado pelo CENSURA ZERO, no ‘pomar’ do prefeito aparecem mais três laranjas: o zelador de quintal Wagner Rock Viana, o Bolota; o ex-bailarino do Chaparral’s Rogério de Castro e o braçal César Lima do Nascimento, o Japão.

Todos também prestaram depoimentos à Polícia Federal e entregaram todo o esquema de Daniel, apontado pelo superintendente da PF no Espírito Santo, delegado Eugênio Coutinho Ricas, como “o líder de uma organização criminosa que se apoderou da Prefeitura de São Mateus”.

Bolota foi colocado por Daniel como sócio-proprietário da Mineração Litorânea S/A (Água Mineral Açaí), junto com Dona Zau, que aparece também na sociedade com Japão na Multishow Produções e Eventos Ltda. As investigações apontaram da Polícia Federal que outro laranja de Daniel é Rogério de Castro, que figura como proprietário da Construshow Serviços Eireli.

O CENSURA ZERO teve acesso ao inquérito policial esta semana após o Chefe da Delegacia da Polícia Federal em São Mateus, delegado Marcos Patrick Cazelli, declarar a retirada do sigilo do documento, em depoimento à Comissão Processante da Câmara de São Mateus que apura a denúncia com pedido de impeachment contra o prefeito Daniel Santana. O documento confirma que, em depoimento à PF, o prefeito Daniel da Açaí confessou que “é o real proprietário/administrador das empresas Multishow Produções e Eventos Ltda. e Mineração Litorânea (Água Mineral Açaí), que estão registradas em nome de interpostas pessoas (laranjas), que o auxilia na ocultação de seu patrimônio.

Conforme o inquérito, Daniel afirmou que a Multishow, que realizava eventos musicais, sendo responsável pelas bandas Ases do Forró e Trio Chapahall’s, entre outras, é gerenciada por ele; o mesmo ocorrendo com a Água Mineral Açaí. Para administrar essas empresas, Daniel da Açaí tinha o apoio de Luana Zordan Palombo, ex-chefe de Gabinete dele na Prefeitura de São Mateus. Daniel, Luana e outras 16 pessoas foram indiciadas no inquérito da Polícia Federal, pelos crimes de organização criminosa, corrupção, fraudes em licitações e lavagem de dinheiro.

Da esquerda para a direita: César Lima do Nascimento (Japão), Wagner Rock Viana (Bolota) e Rogério de Castro são indiciados no inquérito da Polícia Federal como pessoas interpostas (laranjas) do prefeito Daniel da Açaí nas empresas Multishow, Água Mineral Açaí e Construshow.

BOLOTA

Wagner Rock Viana, o Bolota, declarou aos agentes da Polícia Federal que “não faz nenhum serviço na Água Mineral Açaí”, destacando que “realiza serviços de limpeza de jardim e piscina na casa de Daniel Santana Barbosa”. Ele disse que o prefeito foi quem pediu para que ele figurasse como sócio da empresa, frisando que aceitou emprestar seu nome para integrar o quadro societário da Água Mineral Açaí em razão da amizade e confiança que tem com Daniel.

Bolota foi questionado pelos agentes sobre uma conversa interceptada em que diz não saber patrimônios de terceiros, inclusive de Daniel, que estaria registrado em seu nome, assim como o fato de assinar vários documentos sem saber do que se trata. Ele esclareceu que os documentos que assina são da Água Mineral Açaí, da qual é representante legal.

Em ligações interceptadas, Bolota demonstra saber das atividades escusas do prefeito e participação de outros envolvidos. Após a deflagração da Operação Minucius, ele insinuou querer fugir de São Mateus.

Wagner Rock Viana tem ligação também com Dilton Pinha, o chefe do gabinete do ódio que atua a mando do prefeito Daniel da Açai. Bolota, que também integra a milícia digital, dirigia o carro de Diltão, um Citroën 4 Pallas, que estava com licenciamento vencido e em alta velocidade, quando colidiu violentamente contra um Corsa Classic em acidente no dia 31 de janeiro de 2021 (domingo). Ficou constatado que Diltão fugia de um conflito na periferia em busca de socorro no Hospital Roberto Silvares, depois de levar um tiro no pé.  

JAPÃO

A partir do depoimento de César Lima do Nascimento, o Japão, a Polícia Federal confirmou que ele atualmente exerce a profissão de auxiliar de serviços gerais na empresa Água Mineral Açaí, sendo que sua função é carregar e descarregar caminhões de água mineral. Ele afirmou também que não possui nenhum patrimônio, nem mesmo automóvel ou casa própria.

Japão relatou espontaneamente à PF que aceitou emprestar seu nome para figurar como
sócio da empresa Multishow Produções e Eventos a pedido de Daniel Santana Barbosa, “com medo de perder seu emprego”. Frisando que a movimentação financeira da Multishow é realizada pelo prefeito de São Mateus, Japão disse que, a pedido de Daniel da Açaí, já esteve na agência do Sicoob, em algumas ocasiões, com o intuito de sacar dinheiro.

O ‘laranja’ da Multishow relatou que “o maior valor que se recorda de ter sacado é o limite do banco, de R$ 49 mil”, e que não se lembra quantos saques desse valor já realizou a pedido de Daniel Santana. Ele acrescentou que todas as vezes que sacou dinheiro a pedido de Daniel, entregou o valor diretamente ao prefeito, “que normalmente o aguardava em um carro próximo à agência bancária”.

No inquérito da Polícia Federal, consta que a esposa de Daniel, Maurícia Maciel Peçanha, declarou em depoimento que conhece César de Lima do Nascimento, o Japão, pessoa que já trabalhou para Daniel na Água Mineral Açaí e que conhece Wagner Rock Viana, o Bolota, que também já trabalhou para Daniel na citada empresa localizada no Bairro Litorâneo; e também realiza serviços de poda de grama, limpeza de piscina e outros do mesmo tipo para a família dela.

Casa onde mora César Lima do Nascimento, o Japão, no Bairro Sernamby, em São Mateus-ES.

ROGÉRIO DE CASTRO

As investigações da Polícia Federal conseguiram provar também que Daniel Santana Barbosa é o verdadeiro dono da empresa Construshow Serviços Eireli, que está em nome de outro laranja: Rogério de Castro. Ele possui vínculo de longa data com Daniel, desde quando foi bailarino da banda Chapahall’s, que pertencia à Multishow Produções e Eventos, também de propriedade do atual prefeito de São Mateus.

Segundo o inquérito da PF, Rogério de Castro presta serviços particulares a Daniel, “numa clara relação de patrão/empregado, com é o caso do serviço de aterramento de um terreno de Daniel Santana Barbosa. Além disso, a Construshow já esteve registrada em nome de Wagner Rock Viana, o Bolota, que figura como laranja de Daniel na empresa Água Mineral Açaí.

Em seu depoimento, Rogério de Castro disse que morou nos Estados Unidos entre os anos de 2004 e 2014 e que, quando retornou, constituiu a empresa Construshow Serviços com capital social de R$ 600 mil, tendo como sócio Wagner Rock Viana. Rogério tentou explicar que, embora constem R$ 300 mil para cada sócio, foi ele quem integralizou todo o capital social. Afirmou também que conhecia Bolota “de obras que ele aparecia como ‘curioso’.

A contradição veio quando os agentes questionaram o fato de Rogério ter confiado em constituir uma empresa de R$ 600 mil com Bolota, mesmo o conhecendo há apenas seis meses e sem ter conhecimento certo do passado e dos antecedentes profissionais do sócio. Rogério de Castro disse também que sempre trabalhou na militância de rua apoiando a campanha de Daniel Santana a prefeito de São Mateus.

ROGÉRIO E DANIEL

O laranja da Construshow foi interceptado em ligações telefônicas, com conversas em dias distintos com um empreiteiro acerca de aterramento de um terreno situado na ocalidade de Mariricu, em Guriri, em São Mateus-ES. De acordo com a PF, há evidências que indicam que o terreno em questão é de propriedade do prefeito Daniel da Açaí, corroborando que Rogério é seu subordinado na administração da Construshow.

A Construshow recebe recursos de contratos firmados com a Prefeitura de São Mateus-ES e, conforme as investigações, “os valores que o Município repassa à empresa, estaria retornando, em benefício do prefeito, através do serviço de aterramento (cerca de 2.500 caçambas de terra para uma área de 20 mil m²).

No aparelho celular de Daniel Santana, quando foi preso em sua casa, a Polícia Federal encontrou conversas trocadas por meio do WhatsApp com Rogério de Castro, “que permitem inferir que possuem relevante grau de proximidade, inclusive em relação às negociações de imóveis administrados pelo Prefeito, as quais são operacionalizadas
por Rogério, indicando, mais uma vez, que atua com subordinação ao Chefe do Executivo
Municipal.

DEPOIMENTO IMPORTANTE

Nessa fase das investigações, a Polícia Federal tomou o depoimento também de Francyberg Mota Ribeiro, o Berg, amigo pessoal de Daniel e que tinha atuando como subsecretário de Obras, Infraestrutura e Transportes da Prefeitura de São Mateus.

Berg afirmou que conhece Rogério de Castro há bastante tempo, sabendo que já residiu no exterior, onde atuava como dançarino em bandas, desconhecendo que seja sócio de alguma empresa. Também afirmou que “desconhece que Rogério já tenha atuado como pintor ou construtor, ou qualquer outra atividade no ramo de construção civil”.

O OUTRO LADO

O CENSURA ZERO disponibiliza espaço para possíveis manifestações de todos os citados nesta reportagem, ou seus advogados de defesa.

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