O inquérito que investiga ameaças e fake news contra o Supremo Tribunal Federal (STF) foi endossado pelo plenário da Corte nesta quinta-feira (18/6). Com votos longos e enfáticos na defesa do tribunal e no sentido de diferenciar a liberdade de expressão de ataques e ameaças, 10 dos 11 ministros votaram por negar a ação que questionava a portaria que instaurou o inquérito. 

Esta foi a primeira vez que o colegiado se manifestou sobre a abertura do inquérito das fake news. A investigação foi aberta em março de 2019, mas, no último mês, alcançou o gabinete do ódio, do clã de Bolsonaro. Em 27 de maio, o relator determinou operação de busca e apreensão em endereços de blogueiros, empresários e parlamentares ligados a Bolsonaro.

A partir de agora, o inquérito segue tramitando sem questionamentos formais relevantes de sua legitimidade e da própria legalidade. Até o momento, Moraes já enviou 72 casos à primeira instância. As investigações irão prosseguir e devem continuar a ser fonte de desgaste entre Judiciário e Executivo.

Na semana passada, o relator, Edson Fachin, votou por declarar a constitucionalidade da Portaria 69/2019, e ressaltou que o artigo 43 do Regimento Interno do STF também é constitucional. O ministro, porém, inicialmente deu interpretação conforme a Constituição para que o procedimento seja acompanhado pelo Ministério Público, que os advogados dos investigados tenham amplo acesso aos autos, conforme prevê a Súmula Vinculante 14 do Supremo, que o objeto do inquérito seja limitado a manifestações que, denotando risco efetivo à independência do Poder Judiciário e que observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa, excluindo do escopo do inquérito matérias jornalísticas.

Na sequência, Moraes defendeu que não havia necessidade de dar interpretação conforme a Constituição porque a ação não pede isso, e porque esses pontos estão sendo cumpridos e são implícitos. Por isso, não seria necessário explicitar este ponto. Ao votar, Luís Roberto Barroso pontuou que concordava com os dois e, a título de organização formal, propôs julgar a ação improcedente como um todo e deixar as condicionantes de Fachin como obiter dictum, ou seja, apenas pela força retórica, o que foi acolhido pelo relator. Leia o voto final do relator.

Na quarta sessão destinada à análise da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 572, o ministro Marco Aurélio retomou o julgamento. Ele deu o único voto divergente no caso. “Aqui o inquérito foi instaurado logo pela vítima”, disse. Para ele, a instauração do inquérito feriu o sistema penal acusatório instituído na Constituição.

INTEGRIDADE DAS INSTITUIÇÕES

O ministro foi o primeiro a se manifestar publicamente contra o procedimento, quando da abertura dele, chamando o inquérito de “natimorto” — expressão que repetiu nesta tarde — e defendendo que o plenário deveria se manifestar logo sobre o inquérito, o que só ocorreu mais de um ano depois.

Mas os outros dois votos dados nesta sessão, do decano Celso de Mello e do presidente da Corte, Dias Toffoli, se somaram à corrente majoritária já formada na quarta-feira (17/6). Celso de Mello enfatizou a necessidade de se preservar a integridade das instituições. Toffoli, que abriu o inquérito, ressaltou que o STF teve de agir diante da inércia dos órgãos usuais de apuração.

O plenário concluiu o julgamento da ação ajuizada pela Rede Sustentabilidade, pela qual o partido questionava, inicialmente, a Portaria do Gabinete da Presidência 69/2019, por meio da qual o presidente Dias Toffoli instaurou o Inquérito 4781, em março de 2019. No último mês, a Rede tentou desistir da ação, o que foi recusado pelo relator, ministro Luiz Edson Fachin. Ações de controle concentrado não podem ter a tramitação paralisada por desistência do propositor.

DECANO

O ministro Celso de Mello, decano da Corte, ressaltou que a manutenção da autonomia entre os Poderes torna necessário prover a cúpula do Judiciário de meios para se proteger. Daí a razão do Capítulo VIII do Regimento Interno do STF, intitulado “da polícia do tribunal”. Mais do que isso, os dispositivos seriam, para ele, instrumentos de defesa da ordem constitucional. Leia a íntegra do voto.

Ao votar, o ministro tratou da chamada máquina de fake news e deu indícios dos resultados aos quais a investigação, que corre sob sigilo, se aproxima. De acordo com ele, a apuração revelou um aparato delituoso apoiado em diversos núcleos: “um dos quais o núcleo financeiro, viabilizador do custoso funcionamento de sistemas organizados, com divisão de tarefas e atribuições próprias (núcleo decisório, núcleo político, núcleo financeiro e núcleo técnico-operacional), à semelhança das organizações criminosas”.

Celso de Mello afirma que é indispensável deter os agentes anônimos que integram essa organização, “independentemente de sua posição nos estamentos da República”. Ele afirmou que nenhuma agremiação partidária ou grupo organizado pode cometer atos que estimulem a violência ou a destruição da ordem democrática.

“As razões subjacentes à portaria ora impugnada permitem constatar, que se torna essencial reafirmar, neste singular instante em que o Brasil enfrenta gravíssimos desafios, que o Supremo Tribunal Federal, atento à sua alta responsabilidade institucional, não se intimidará, não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer, em face dos que desconhecem o alto significado da Constituição, os valores fundantes da ordem democrática, além de prestar incondicional reverência ao primado da Lei Fundamental do Estado, ao império das leis e à superioridade político-jurídica das ideias que informam e que animam o espírito da República.”

Ele também destacou que o a portaria não ofende o sistema acusatório. O ministro entende que prevalece o modelo acusatório misto, que investe o magistrado do papel de fiscalizar a atividade investigatória. “Cumpre ter em perspectiva que o inquérito penal, sobre o qual os organismos policiais não dispõem de monopólio investigatório, caracteriza-se como procedimento administrativo destinado a promover a apuração do evento delituoso e a proceder à identificação dos respectivos autores e partícipes, não sendo alcançado, em face de sua natureza pré-processual, pelo sistema acusatório”, disse.

PRESIDENTE

Dias Toffoli defendeu a decisão de abrir o inquérito dando ênfase ao risco que envolve a banalização das fake news. “Não é de hoje que esta Suprema Corte e seus ministros sofrem ataques, ameaças e têm sua honorabilidade e segurança vilipendiadas por pessoas, grupos e milícias, inclusive digitais, que buscam atingir o Supremo Tribunal Federal e, com isso, colocar em risco o Estado Democrático de Direito”, disse. Leia a íntegra do voto.

Segundo o ministro, falar em notícias fraudulentas ou desinformação no contexto do inquérito instaurado no STF não é falar de críticas ou discordâncias. “Estamos falando de notícias fraudulentas usadas com o propósito de auferir vantagem indevida, seja ela de natureza política ou econômica ou cultural”, pontuou. Para ele, o objetivo dessas campanhas é a criação do caos.

“A instauração deste inquérito se impôs e se impõe não porque o queremos, ma porque não podemos banalizar ataques e ameaças a este Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição da República. Trata-se de prerrogativa e de reação institucional necessária em razão da escalada das agressões cometidas contra o Tribunal, seus membros e os familiares desses, das quais a Corte não pode renunciar, em especial quando se verifica a inércia ou complacência daqueles que deveriam adotar medidas para evitar o aumento do numero e da intensidade de tais ataques”, afirma.

Ele lembrou o início do inquérito, instaurado quando o Supremo assentava a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro, conexos com delitos eleitorais, como o caixa 2. Na época, mesmo procuradores da República promoveram ataques à Corte afirmando que o julgamento era um freio à Lava Jato. Antes disso, ainda, as eleições de 2018 se mostraram um foco de campanhas de ódio e registraram um aumento das ameaças.

DIVERGÊNCIA

Logo nas primeiras palavras o ministro Marco Aurélio deixou claro que iria dissentir dos colegas. “Aos menos avisados, àqueles que não atuam na área do direito: o inquérito ora em exame nesta ADPF não foi instaurado pelo colegiado. O colegiado foi comunicado sobre a existência dele na sessão do dia 14 de março de 2019. Oportunidade na qual o relator designado não recebeu os autos por distribuição e afirmou que ‘aceito a designação e iniciarei imediatamente os trabalhos’”, disse, ressaltando que a medida não foi consensual.

Ele disse, ainda, que o colega, ministro Alexandre de Moraes, passa a figurar como juiz de exceção ao aceitar a missão dada por Toffoli sem que tivesse passado pelo sistema de distribuição de processos pelo qual passam todas as ações que entram na Corte.

Ele retomou os pontos levantados pela então procuradora-Geral da República Raquel Dodge ao arquivar o inquérito. Ela apontou afronta à separação de Poderes, à livre distribuição de processos, à regra do juiz natural da causa, a competência criminal originária do Supremo para processar e julgar ações ajuizadas contra autoridades com prerrogativa de foro na Corte e ao devido processo legal pela ausência de delimitação da investigação penal. “Não há como salvá-lo”, concluiu o ministro.

Marco Aurélio afirmou que o Supremo e seus integrantes não estão imunes à crítica pública. Ele citou, ainda, o episódio em que manifestantes bolsonaristas soltaram fogos de artifício em direção ao Supremo. De acordo com ele, a atitude tomada no caso é exemplo de como se deve agir: “Vossa excelência, como incumbia fazer, oficiou ao PGR para as providências que entender devidas. Observando, portanto, o sistema acusatório.”

Segundo defendeu o ministro, a razão de ser do sistema acusatório, baseado na separação de funções estatais, é muito relevante. “Se o órgão que acusa é o mesmo que julga, não há garantia de imparcialidade e haverá tendência de condenar o acusado o que estabelece prejuízo do acusado de partida. Por mais que se assegure o direito de defesa, o modelo inquisitorial diminui a segurança e a confiabilidade no sistema de justiça”, explicou, acrescentando que quem investiga se envolve com o caso.

CENSURA ZERO – AQUI TEM CONTEÚDO! | REDAÇÃO MULTIMÍDIA | FONTE: JOTA