POR DRª BEATRICEE KARLA LOPES*
Desmerecer seu próximo perante a coletividade por meio de palavras e atos depreciativos, despromovendo a sua autoestima e honra por causa da sua cor de pele, é, sem dúvida, desumano, ilegal e, principalmente, inaceitável em pleno século XXI!
A imputação de uma qualidade negativa a uma outra pessoa por causa de seu tom de pele, atingindo-a em sua honra subjetiva em atos de ofensa que são contra o comportamento exigido por nossa sociedade, imprimindo-a a ato vexatório e na presença de várias pessoas, utilizando da internet ou outros meios, é CRIME DE INJÚRIA RACIAL DISCRIMINATÓRIA OU POR PRECONCEITO, tipificado no art. 140, do Código Penal (CP).
Quando uma vítima desse tipo de crime desumano toma conhecimento da ofensa, é indiferente se a ofensa foi realizada na frente dela ou se chegou ao conhecimento através de terceiros, e ainda se a qualidade negativa imputada é verdadeira ou não. Ou seja, não importa, É CRIME E PRONTO, e não uma simples intenção do criminoso “de brincar” com a vítima!
Chamar o outro de “negro” e/ou outras imputações negativas, causa repulsa social e, por isso, deve o responsável por tal responder pelo crime de Injúria Racial, por ser da mais íntegra Justiça.
Já o crime de Racismo constante do art. 20 da Lei nº 7.716/89 (“Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa”), somente será aplicado quando as ofensas não tenham uma pessoa ou pessoas determinadas, e sim venham a menosprezar determinada raça, cor, etnia, religião ou origem, agredindo um número indeterminado de pessoas, discriminando toda a integralidade de uma raça (Exemplo: impedir que uma pessoa negra assuma uma função, emprego ou entre em um estabelecimento por causa da cor da pele.
Ao contrário da Injúria Racial, o crime de Racismo é inafiançável e imprescritível, com fulcro no art. 5º, inc. XLII, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”).
Acontece que foi publicada no Diário Oficial da União de quinta-feira (12/01/2023) a Lei nº 14.532 de 2023, que tipifica também como Crime de Racismo a Injúria Racial, com a pena aumentada de 01 (um) a 03 (três) anos para de 02 (dois) a 05 (cinco) anos de reclusão.
Enquanto o Racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a Injúria é direcionada ao indivíduo, porém, mesmo com significados diferentes, a Injúria Racial também agora é vista como Crime de Racismo, pois a Lei nº 14.532/2023 fez essa justa mudança na Lei nº 7.716/89 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
Embora desde 1989 a Lei nº 7.716 (Lei de Crime Racial) tenha tipificado crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, a Injúria continua tipificada apenas no Código Penal, mas agora está implícita na Lei de Crime Racial.
Assim, a pena de um a três anos de reclusão para a Injúria, prevista no CP, relacionada à religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência, aumenta-se para dois a cinco anos nos casos relacionados a raça, cor, etnia ou procedência nacional, e a pena poderá ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, de acordo com a nova redação dada a Lei de Crime Racial.
A nova legislação se alinha ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em outubro/2022, equiparou a Injúria Racial ao Racismo e, por isso, tornou a Injúria, assim como o Racismo, um crime inafiançável e imprescritível. Além disso, a nova lei estabelece que terão as penas aumentadas de 1/3 até a metade quando a Injúria ocorrer em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação, e quando for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las.
A nova Lei atualiza o agravante (reclusão de 2 a 5 anos e multa) quando o ato é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza, incluindo também os casos de postagem em Redes Sociais ou na internet, e o autor do crime pode ser proibido de frequentar, por 3 anos, locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.
De acordo com Agência Senado¹, a Lei nº 14.532/2023 (que fez a mudança na Lei nº 7.716/89) é resultado de um substitutivo do Senado ao PL 4.566/2021, dos Deputados Tia Eron (PRB-BA) e Bebeto (PSB-BA). O substitutivo do relator, senador Paulo Paim (PT-RS), foi aprovado no Senado em 18 de maio/2022 e ratificado pelos Deputados em 7 de dezembro/2022, e agora sancionada pelo atual Presidente (Lula).
Paim, que promoveu expansões no texto do projeto, sempre defendeu que o Racismo no Brasil é estrutural e deve ser combatido:
O Brasil e o mundo têm testemunhado cenas de hostilização de atletas com inferiorização expressada por palavras, cantos, gestos, remessas de objetos sugestivos. Ocorrências semelhantes também se repetem em espetáculos culturais, artísticos e religiosos. A proibição de frequência [aos locais de eventos] tem apresentado bons resultados na experiência de alguns juizados especiais criminais, inclusive aqueles instalados nos próprios estádios.
Os doutrinadores insistem em dizer que, na prática, é difícil comprovar o crime de Racismo quando os vestígios já desapareceram e a memória enfraqueceu. Mas, agora com a internet, acredito eu que essa realidade já mudou para sempre! Difícil será escapar alguém desse crime, a não ser que a(s) vítima(s) permita(m)!
O que importa é que a impunidade não reine em qualquer caso que incite, propague e divulgue o ódio racial!
Racismo não pode fazer parte da nossa cultura! Como dizia Nelson Mandela: “Nossa pretensão é de uma sociedade não racial… Estamos lutando por uma sociedade em que o povo deixará de pensar em termos de cor… Não é uma questão de raça; é uma questão de ideias”.
Mas por que, então, em pleno século XXI ainda existe o preconceito? Acredito eu que é porque ainda não se tem uma estrutura pública robusta que possa enfrentar as desigualdades, mas, principalmente, porque o berço social do sujeito, que é a sua própria casa, não ensina o que é igualdade, o sujeito já sai de casa desmerecendo o seu próximo, é complicado.
Além disso, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), há a tendência de negros sofrerem maior coerção por parte do Sistema de Justiça Criminal, o que evidenciaria a existência de um Racismo Institucional. De forma inconsciente, as pessoas se acostumam a enxergar uma pessoa negra como marginalizada e atribuem a ela pré-julgamentos que, na maioria das vezes, terminam com o veredito de culpado.
A incidência do preconceito pode não ser tão evidente para alguns, mas ele não deixa de existir. Dessa forma, “podem ter mudado os sistemas econômicos, as relações de trabalho e as formas de opressão, porém os negros continuam a ser ideologicamente definidos como inferiores”, segundo Ana Lucia Valente (VALENTE, 1987, p. 582).
Preconceitos, intolerância racial e social, nada mais é do que uma profunda estupidez, mas, infelizmente, ainda presente no nosso meio! Ao final somos e seremos apenas ossos!
Leia também meu artigo “Como um negro pode sobreviver às suspeitas?”, disponível em: https://censurazero.com.br/direito-em-suas-maos-como-um-negro-pode-sobreviveras suspeitas/
*DRª BEATRICEE KARLA LOPES é Advogada Criminalista – OAB/ES 15.171; pós-graduada em Penal, Processo Penal e Civil; Escritora de Artigos Jurídicos; Apoio Acadêmico e Jurídico; Membro Imortal da Academia de Letras da Serra-ES; Comendadora Cultural e Membro Imortal da Academia de Letras de São Mateus-ES; Comendadora Cultural da ONG Amigos da Educação e do Clube dos Trovadores Capixabas; Personalidade Cultural de 2017 do 3º Encontro Nacional da Sociedade de Cultura Latina do Brasil; Personalidade Artística e Cultural 2018; Autora aprovada pela Coletânea Mulheres Maravilhosas V. 1/2021; Acadêmica Imortal da Academia de Letras e Artes de Poetas Trovadores; Recebeu a “Comenda de Mérito Cultural 2021” do “XVIII Congresso Brasileiro de Poetas Trovadores”; e colunista do Portal Censura Zero – www.censurazero.com.br. | Contato: tel.: (27) 9.9504-4747, e-mail: beatriceekarla@hotmail.com, site: beatriceeadv.wixsite.com/biak, Facebook: Beatricee Karla Lopes e Instagram: @direitocensurazero.
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Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/01/12/sancionada-lei-que-tipificacomo-crime-de-racismo-a-injuria-racial
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VALENTE, Ana Lucia E.F. Ser negro no Brasil hoje. São Paulo: Moderna, 1987.
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