CIDADES & SUSTENTABILIDADE – Água é vida, mas sem tratamento pode matar

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Dr. Alexandro Facco com a esposa, a arquiteta Tânea Agnes Facco, coautora da coluna Cidades & Sustentabilidade.

Por Alexandro Facco*

No princípio Deus criou os céus e a terra.  Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”. Este texto das escrituras bíblicas relata que a água já existia na Terra deste a sua criação. Já a ciência mostra que o planeta Terra possui, aproximadamente 4,5 bilhões de anos e que que as rochas mais antigas formadas em ambiente aquático têm idade da ordem de 3,8 bilhões de anos, o que nos permite supor que a água existe na Terra na forma líquida, pelo menos, desde então.

Os registros geológicos indicam que a quantidade de água no planeta continua a mesma, porém isto não significa que os volumes de água contidos nos seus diferentes reservatórios, como atmosfera, geleiras, oceanos, rios, lagos e no subsolo, não possam ter variado. Ou seja, as variações no clima, decorrentes por processos naturais ou antrópicos (ações do homem), influenciam diretamente no estado físico da água e na sua distribuição no espaço e no tempo.

Todavia a grande verdade é que não há vida sem água, ou em outras palavras:  ‘ÁGUA É VIDA’, pois graças à sua existência foi possível o desenvolvimento de incontáveis espécies de animais e vegetais. Assim sendo, neste contexto, a água deixa de ser apenas uma substância natural e passa a ser um bem de relevância ambiental incomensurável, dotado de valor econômico e passível de utilização para múltiplas finalidades. A água passa a ser considerada um ‘RECURSO HÍDRICO’ fundamental à vida.

Historicamente, há uma forte vinculação entre as fontes de recursos hídricos e o surgimento de povoados e cidades. Os descobridores chegaram ao litoral do Brasil e encontraram uma terra rica de rios e uma exuberante cobertura vegetal. A visão destes cenários de abundância levou Pero Vaz de Caminha a reportar: “Andamos por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa (…) Águas são muitas, infindas. E, em tal maneira a terra é graciosa, que querendo aproveitar dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem“.

A proximidade dos aglomerados populacionais com o rios e córregos sempre foi fundamental para o abastecimento, consumo, irrigação, fonte de alimento e transporte. Porém, após os momentos iniciais da história, quando os rios viabilizaram as cidades e, portanto, a civilização, estes passaram a sofrer, inexoravelmente, e frequentemente de forma dramática, os impactos hidrológicos e ambientais do crescimento urbano, ao mesmo tempo que perderam, gradativamente, seu papel como elemento da paisagem.

No meio ambiente, há um mecanismo de inter-relacionamento constante e, uma vez quebrado este mecanismo, sofrem tanto o Planeta quanto os que nele habitam. A poluição é uma constante em nossos dias e em nossos mananciais de água doce. Em nome do progresso, o homem age sem qualquer respeito ao meio ambiente e aos aspectos de sustentabilidade.

Sabe-se que, de todos os males ambientais, a contaminação das águas é a que apresenta as piores consequências, e que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 10 milhões de mortes por ano são diretamente atribuídas a doenças intestinais transmitidas pela água. Um terço da humanidade vive em contínua debilidade resultante das impurezas da água e que outro terço está ameaçado pelo lançamento de substâncias químicas nas águas cujos efeitos a longo prazo são desconhecidos. Isto é, a ÁGUA, sem o devido respeito, valor e tratamento, é sinônimo de MORTE.

Atualmente, constata-se o início de uma nova fase nesse relacionamento das cidades, agricultura e seus recursos hídricos. A tomada de consciência das grandes questões ambientais, cada vez mais presente, e a contabilização dos danos socioeconômicos faz com que a questão da restauração dos corpos d’água passe a integrar as pautas de reivindicações da sociedade, as agendas do meio científico e as plataformas e os planos governamentais.

Especificamente, no município de São Mateus, estamos passando por uma fase terrível no que tange a disponibilidade hídrica. Em virtude dos baixos índices pluviométricos nos últimos seis anos, além da pouca quantidade de água doce disponível, a população sofreu com salinização de sua principal fonte de captação, que é o Rio São Mateus. Neste contexto, evidência que o problema de abastecimento no município vai muito além da falta de água, ele está diretamente relacionado com sua qualidade.

Na busca em solucionar o problema do abastecimento urbano e rural, muitas medidas foram tomadas como perfurações de poços artesianos e construções de barragens. Porém é extremante importante salientar que tais mecanismos podem saciar a demanda emergencial, mas pode ser um grande problema sanitário e ambiental se não forem dimensionados corretamente.

A construção de reservatórios nos cursos d’água por meio de barragens são de extrema importância e necessárias, pois sem estas reservas a agricultura em nossa região seria, praticamente, inviável. Todavia sua construção deve norteada por meio de projetos elaborados por profissionais habilitados, caso contrário, além dos fortes impactos ambientais, o rompimento destas estruturas pode resultar em tragédias e prejuízos socioeconômicos imensuráveis e irrecuperáveis.

Outra alternativa para mitigar os efeitos da seca no abastecimento urbano foram as perfurações de poços freáticos, semi e/ou artesianos. É logico que, na omissão e/ou inércia do poder público, a população teve que tomar medidas paliativas para ter água doce em suas casas. Acredito que centenas ou milhares de poços foram perfurados no município. O próprio município perfurou alguns. Entretanto a qualidade desta água não está baseada apenas na sua cor ou concentração de sais; se a perfuração desses poços não seguirem critérios técnicos adequados, os mesmos podem virem a ser vetores de contaminação dos aquíferos subterrâneos.

Para exemplificar melhor, podemos comparar os poços d’água como uma uma perfuração na pele até chegar a algum vaso sanguíneo importante. Se aquela ferida estiver aberta, alguma bactéria pode usá-la como canal de entrada e contaminar todo o corpo. De forma semelhante, um poço executado de forma inadequada, pode propiciar a entrada de algum agente contaminante ou poluidor e transformar a água potável do aquífero subterrânea em um grande poço contaminado. E aí está o grande problema: a falta de um tratamento adequado dessas águas podem resultar em graves problemas à saúde e em mortes.

A solução das questões que envolvem a água passa pela esfera política, mas se as decisões não forem todas a partir de critérios técnicos e embasadas por profissionais qualificados, as fontes que poderiam gerar vidas e riquezas podem se tornar vetores de miséria e morte.

*Alexandro Gomes Facco é Engenheiro Agrimensor e Doutor em Meteorologia Agrícola. Fotos: PMSM/Divulgação e Arquivo Pessoal

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