CRÔNICAS DE NEIDE LIMA – A cor do pecado

Essa expressão, geralmente, é utilizada como forma de elogio. Existe até música sobre a história de amor com um homem da cor do pecado. Mas essa expressão está longe de ser um elogio.

Antigamente, ser negro era considerado pecado. Os poderosos da época, junto com integrantes da Igreja Católica, justificavam a escravidão como um castigo divino. Então dizer que alguém é “da cor do pecado“ é associado a algo negativo.

As frases que eu tentei corrigir nas pessoas foi para tratar a minha negritude como sendo uma mulher branca, porque sou negra de pele clara, todas as pessoas queriam me agradar dizendo que eu não era negra, que eu era morena clara, que meus traços eram europeus enquanto eu dizia: “Eu sou da raça negra, com muita honra”.

Depois de muito argumentar, então me diziam: “Mas você é negra de alma branca”. Eu tornava a replicar: “Olha, eu não sei se alma tem cor, mas se tiver a minha, com certeza, é negra como eu”.

O que quero chamar atenção aqui, na alusão ao Dia Internacional da Mulher Negra Americana Latina e Caribenha (comemorada em 25 de julho), é que a sociedade, de uma forma geral, quer nos embranquecer.

Eu senti na pele o racismo inverso, queriam que eu me passasse por branca a qualquer custo como se eu ganhasse o privilégio e o status que estavam me oferecendo, de ser considerada uma mulher branca; fato que nunca aceitei depois de chorar a minha infância e juventude por não me aceitar como negra, pois meus pais eram brancos e os avós que eu conhecia eram brancos.

E os meus pais, acredito que por falta de conhecimento ou por ignorância de não saber, corroborava a minha triste sina de menino-adolescente negra; me chamavam de ‘picolé de fumo’ (fumo de rolo muito usado na época), ‘pinche de asfalto’, ‘filha de um fazendeiro muito negro/azulado’. Isso me fazia sofrer muito!

Mas, quando adulta, mudei para o Espírito Santo e via as pessoas usarem Coca-Cola, urucum e, quem podia comprar, o bronzeador, para ficarem com a pele mais escura, eu descobri que Deus e a própria Natureza já tinham me dado a cor que muitas pessoas buscavam.

Comecei a estudar a História dos negros que vieram para o Brasil em condição de escravos. E como a escravidão era aceita pela lgreja e pela sociedade como natural. Foi assim que descobri que meu avô paterno era negro e eu herdei a sua negritude, o que muito me honra e, ao mesmo tempo, me horrorizava o sofrimento do meu povo, que viviam em liberdade.

Muitos eram reis, rainhas e princesas em sua terra natal, no Continente Africano, os quais eram capturados, trazidos e vendidos no mercado como mercadoria, como animais e como seres sem alma, que viajavam muitos dias nos porões fétidos dos navios negreiros.

E muitos morriam por desidratação, desnutrição, escorbuto e outras doenças adquiridas pelos brancos, as quais o povo negro nunca tinham contato.

Mesmo após serem vendidos nos mercados como mercadoria, onde a musculatura e os dentes eram avaliados. Quando comprados, geralmente por senhores de engenho, eram levados para as senzalas; eram tratados como animais, praticamente sem comida, dormiam todos juntos.

E trabalhavam do nascer do sol ao pôr do sol, apanhavam de chicotes e iam para o tronco, por qualquer coisa que falassem ou fizessem que desagradasse o senhor capataz.

Quando veio a famosa Lei Áurea, que de boa não tinham nada, os negros não tinham para onde ir, não tinham comida, saíam pelas estradas literalmente sem lenço nem documento, e chegavam nas pequenas vilas da época.

Logo chamavam de ladrões e, foi assim, que foi criada a lei por vadiagem, isto é, qualquer negro que estavam sem trabalhar eram presos por não ter o que comer e ficavam perambulando pelas vielas sem ter o que fazer.

Com o passar do tempo, viram no negro um outro projeto a objetificação e sexualização do negro, principalmente das jovens negras, que eram usadas para prostituição, para agradar ao senhores brancos, que viam nas mulheres jovens negras o uso de todas as formas de bestialidade que não podiam fazer com a esposa branca.

Daí para o tráfico sexual foi muito rápido; as moças negras eram exportadas para vários países como escravas sexuais.

E o povo negro, em geral, saiu da senzala e subia os morros, onde com pedaços de madeiras e papelão fazia seus casebres em lugares insalubres, sem água, sem esgoto, sem energia elétrica. Sendo assim, a senzala foi transportada das grandes fazendas de engenhos para as periferias das cidades, onde a maioria vive até os dias de hoje.

Hoje em dia, a mulher negra está na música de forma pejorativa como na música “Negra do cabelo duro que não gosta de pentear”. “A rabada da minha nega é muito boa” sempre com duplo sentido.

Na televisão, até os dias atuais, as atrizes e atores negros, salvo raras exceções, ocupam sempre papéis secundários, como empregada doméstica, copeira, faxineira; e os homens negros como bandidos, traficantes, jardineiros e motoristas, quando muito.

Muitos trabalham em serviços subalternos, como entregadores por exemplo, em uma verdadeira escravidão moderna, sem carteira assinada, sem salário fixo e muito menos direitos trabalhistas, como trabalhar de entregador, onde ele não é empregado do restaurante, não é empregado de quem encomenda, não é empregado da empresa de entrega, não tem férias, não tem folga nos fins de semana, não tem plano de saúde.

Muitas vezes, a moto ou a bicicleta são alugadas para trabalhar; ele não vai aposentar. É o chamado trabalho informal, que muitas empresas usam, pois assim não pagam um centavo que seja de direitos trabalhistas.

O povo negro brasileiro dos dias atuais, ao menos, a maioria luta política e socialmente por igualdade de direitos civis, por justiça social, por um sistema educacional digno, por direito de oportunidade igual por respeito à diversidade e, por fim, pela construção de uma sociedade plural e igualitária.

Com a defesa desses ideais, não queremos tirar ou suprir direitos já garantidos à população branca, queremos tão somente que os nossos direitos sejam igualitários de fato e não apenas por forma.

Sabemos que reparação étnico-racial, políticas públicas e ações afirmativas por si só não legitimam a igualdade entre negros e brancos.

Sabemos que o Brasil não existe sem a história e a mão de obra de milhões de brasileiros negros e negras que investimos nesse país através de nossos ancestrais 360 anos de trabalho forçado e gratuito na construção e estruturação econômica do Brasil.

No dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, além das comemorações, entendemos que o racismo não é só um ato de humilhação, mas, acima de tudo, é um ato de violência e que devemos reiterar nossa defesa por uma sociedade justa e igualitária.

Acreditamos que uma sociedade plenamente saudável é uma sociedade sem preconceitos, ódios de raça, credo, classe ou cor, sendo o racismo uma discriminação social, que tem por base um conjunto de julgamento pré-concebidos que avaliam as pessoas de acordo com suas características físicas!

Nós, mulheres negras, médicas, domésticas, enfermeiras, cabeleireiras, catadoras, capoeiristas, professoras, manicures, frentistas, donas de casa, engenheiras, pedreiras, aviadoras, enfim trabalhadoras que ocupamos bravamente, e até melhores que muitos homens esses espaços variados.

Mas a sociedade não reconhece a nossa voz e a razão está no racismo e no sexismo, que provocam discriminação contra as mulheres em geral.

Queremos mostrar que a nossa cor não é a cor do pecado e queremos mostrar ao Brasil e ao mundo que nós queremos e vamos fazer um país melhor, com justiça social e qualidade de vida para homens e mulheres!

*NEIDE LIMA é socióloga, graduada e pós graduada em Psicanálise Clínica, licenciada em Pedagogia e mestre em Políticas Públicas.

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