CRÔNICAS DE NEIDE LIMA – O Homem Preto

Homem, deixa de ser vaidoso, para sair para comprar pão, não é preciso tomar banho, vestir essa roupa, e passar perfume! Deixa de ser vaidoso! Você esqueceu que sou negro?

Essa é a única forma possível de ser confundido com um marginal. Já saio para a rua com o pensamento nisso! Por isso, visto a melhor roupa, o melhor calçado e o melhor perfume.

E não é por vaidade, não; não é vaidade. É que a minha pele é rica em melanina, negra como o ébano. Só por isso os homens a transformaram em maldita, assim como é maldição ver um gato preto em uma Sexta-feira 13.

Não importa onde quer que eu vá, tenho de estar disfarçado. Disfarço-me de doutor, de bacana, a única forma de diminuir as abordagens truculentas. Elas acontecerão sempre, independentemente do que eu que faça. Mas, pelo menos, o meu disfarce funciona como um escudo, diminuindo em 50% as chances de serem violentas.

O problema é que esse disfarce me coloca na linha de tiro dos “manos”, das famigeradas duplas que rodam por aí de moto. Aí o meu disfarce virou um alvo, querem o meu celular e a carteira. Mesmo sendo negro, como eles, o meu disfarce se torna maldito.

– Que é isso irmão? Até você eles também assaltam?

Como assim: até “você”? Ah sei; sim, eles também assaltam os negros, são democráticos, distribuem por igualdade e equitativamente as suas ações!

Não há para onde correr, nasci com a pele negra , e isso me torna um maldito para eles pois estou disfarçado de doutor, ai eles levam tudo que tenho como relógio, celular, óculos e todo dinheiro que tenha no bolso.

Continuo a pensar nisso já dentro do mercado. Cada passo, cada gesto, cada palavra tem de ser pensada, analisada, medida, pesada e, depois, repensada, reanalisada, e… re… re…, para não acontecer de ser confundido pelo segurança que acompanha atentamente você e ostensivamente a minha movimentação.

Se ele entender necessário, tem licença para me sufocar, asfixiar até a morte, como foi com o George Floyd, que morreu chamando pela mãe. Ou o João, que chamou pela esposa, a mulher, agora viúva, que recebeu a proposta de indenização. O mesmíssimo valor que foi pago quando do assassinato do cachorro na mesma rede de lojas!

É assim! A vida de um homem negro e de um cachorro têm o mesmo peso; eles consideram como equivalentes. Não me admira nada sermos vendidos em pet shops como foi no passado. Maldito, maldito como os gatos pretos!

No caixa, encontro uma moça simpática. Ela sorri. Um sorriso acolhedor, daqueles que nos fazem lembrar chocolate quente em dias frios; e fala “Bom dia, Preto gato”!

Bom dia! Mas, na verdade, moça, é o contrário: sou um gato preto, amaldiçoado sem saber por quê. Culpado até prova em contrário, depósito de perdidos e achados exclusivamente para balas, de preferência de fuzil. Moça, eu sou um gato preto!

*NEIDE LIMA é socióloga, graduada e pós graduada em Psicanálise Clínica, licenciada em Pedagogia e mestre em Políticas Públicas.

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